Descrição
Como toda a obra de Kawabata, Beleza e tristeza é o romance de um mundo
globalizado. Não, porém, de maneira explícita, pois a globalização não é
seu tema. Ela é sua circunstância. Escrevendo em meados do século XX,
sua obra tem por contexto histórico a modernização voluntária do Japão
antes da Segunda Guerra, e sua ocidentalização (ou americanização)
compulsória depois da derrota. Isso se reflete no livro de muitos modos.
Por um lado, a própria forma do romance realista-psicológico é
ocidental. Por outro lado, a visão de mundo é japonesa. E se o romance,
no sua origem, é narração, isto é, ação, na sua migração para o Japão se
torna contemplação. Uma contemplação, porém, expandida para a dimensão
de um romance, e perturbada pela presença do passado no presente, assim
como pela invasão do presente de um passado ainda marcante. Nas palavras
do posfaciador, “Cenários e objetos apresentados não apenas situam a
ação, mas caracterizam especialmente a inação, mais precisamente, a
contemplação da situação. Kawabata dá preferência a ambientes
esvaziados, silenciosos, em momentos inertes. Quando figura situações
movimentadas, sugere que são desagradáveis, ruidosas, perturbadoras.
Assim, desde a primeira cena no trem vazio, [contempla-se] a paisagem do
Monte Fuji, interrompido pela presença ruidosa de turistas americanos.
[…] Paisagens e vistas panorâmicas são como que pintadas no texto. [E
se] o cenário interessa, é pelo simbolismo da ausência, seja do passado
histórico que assombra os monumentos, seja da melancolia da contemplação
solitária, seja da catástrofe anunciada ao futuro”. A referência à
“pintura textual” não é arbitrária. Além de indicar outra marca de
hibridismo do romance, desta vez de linguagem, “as personagens
principais gravitam em torno do mundo da arte, de uma arte japonesa
evanescente, vinculada a uma tradição sobressaltada pelo processo de
modernização. Oki Toshio, escritor reconhecido, busca a reconciliação
com sua antiga amante, Ueno Otoko, renomada pintora. […] Oki faz
sucesso com o romance que descreve a intensa relação clandestina mantida
com Otoko, então adolescente, assim como a trágica sina da jovem após o
rompimento. […] No romance de Oki, como na pintura de Otoko, há a
referência nostálgica – mesmo que indireta e simbólica – à separação,
não apenas de um amor irresolvido, mas de todo um mundo dolorosamente
desfeito. […] A reconciliação de Oki e Otoko é impossível, a despeito
de seus desejos; o mundo que os unia, inexiste. Todavia, foi o
distanciamento e o desaparecimento desse mundo que propiciou sua arte”. E
a de Kawabata.